PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE ITAPETINGA: PERCURSOS E DISCURSOS
Prof. Dr. Reginaldo Santos Pereira
UESB, campus de Itapetinga
Na última semana, foi encaminhado pelo poder executivo, para apreciação e votação na Câmara de Vereadores, o Plano Municipal de Educação (PME) de Itapetinga. O PME é um documento que traça um diagnóstico da situação educacional do município e apresenta as metas e estratégias para a educação nos próximos 10 anos. O PME busca atender as exigências previstas em lei a partir da aprovação do Plano Nacional de Educação – PNE (Lei 13.005, de 25 de junho de 2014). Um dos seus princípios é orientar as políticas públicas para educação e deve ser compreendido como um Plano de Estado e não de governo e, cabe à sociedade civil organizada monitorar suas metas e estratégias com vistas a garantir a qualidade social da educação em nossa cidade.
Destaca-se que no processo de construção do PME em Itapetinga, capitaneado pela Secretaria Municipal de Educação e a Comissão responsável, foi profícua a participação de diversos setores da comunidade, em especial, as(os) professoras(es) da rede pública municipal, APLB Sindicato, Conselho Municipal de Educação, Conselho Municipal do FUNDEB e professoras(es) do curso de Pedagogia da UESB, especificamente, quando da realização das Audiências Públicas nos dias 22 e 25 de maio de 2015.
Pautado nos princípios de uma construção coletiva, consideramos precípuo para o PME de Itapetinga nos próximos anos alguns desafios emergentes a serem enfrentados e solucionados: a) a universalização do atendimento da educação infantil; b) superação das distorções série-idade nos anos iniciais do ensino fundamental e a progressiva erradicação do analfabetismo; c) melhoria da qualidade social da educação básica; d) a inserção do modelo de escola de tempo integral; e) a efetiva valorização das(os) profissionais da educação, garantindo-lhes remuneração digna, carreira, formação científica (mestrado e doutorado) e continuada, bem como melhoria das condições de trabalho, dentre outros.
No processo de tramitação do PME do executivo para o legislativo pudemos acompanhar uma ebulição de críticas de setores da cidade, em especial, de parte da comunidade católica e protestante em torno das temáticas de gênero e sexualidade presentes no plano. A partir da gravação de um áudio sem identificação de autoria, o qual circulou pelas redes sociais, e a divulgação de uma cartilha de cunho religioso sobre “ideologia de gênero”, gerou-se uma polêmica em torno da questão, sob a justificativa de que o PME feria os princípios da família itapetinguense. Vale questionar: de qual modelo de família fez-se a defesa? O modelo hegemônico nuclear heterossexual? Monoparental? Homossexual? Quais interesses políticos, morais e religiosos motivaram a adesão da maior parte dos edis do legislativo itapetinguense à incorporação desse discurso?
O que acompanhamos nesse percurso, fora a evidência do desconhecimento, senso comum e ausência de base científica às temáticas de gênero e sexualidade no campo da educação. O foco equivocado no debate sobre “ideologia de gênero” extirpou a possibilidade de uma reflexão mais profícua em torno das principais metas e estratégias que pensamos e almejamos para a educação municipal nos próximos dez anos.
É válido esclarecer que inexiste nos estudos de gênero sejam eles nacionais ou internacionais o termo “ideologia de gênero”. Ao longo da vida, através das diversas práticas e instituições sociais nos constituímos como homens e mulheres e as diferenças são produzidas em contextos históricos e espaciais distintos. De acordo com a pesquisadora Guacira Lopes Louro (2010), o gênero é constituinte da identidade dos sujeitos. Seu conceito engloba todas as formas de construção social, cultural e linguísticas implicadas com os processos que diferenciam mulheres de homens.
As questões de gênero são amplas e envolvem também as diferenças produzidas histórica e hierarquicamente entre homens e mulheres: na representação política, ocupação das profissões, remuneração, nos referenciais históricos e científicos. O debate também é de ordem discursiva e está no ato da linguagem, na nomeação exclusivista do masculino. Não é a escola que determinará o gênero ou opção sexual da criança, adolescente, jovem ou adulto. A escola não substituirá o papel da família ou assumirá suas responsabilidades, mas, pelo contrário, colaborará para incentivar o respeito às diferenças e evitar a discriminação e violência aos adolescentes e jovens que não se enquadram na heteronormatividade de nossa sociedade patriarcal.
O que desejamos nós pesquisadores(as) e educadores(as) com a temática de gênero e sexualidade no processo formativo em nossas escolas? Substituir o papel da família? Determinar quem vai ser menino ou menina, homem ou mulher, heterossexual, bissexual, homossexual ou transsexual? A escola é o espaço da pluralidade, do acolhimento e da inclusão, é o espaço do debate, reflexão e formação dos cidadãos, a escola é um espaço generificado (LOURO, 2000) e a tarefa de educar para a diversidade e entender a complexidade dos processos de constituição das identidades culturais dos sujeitos ela não deve se furtar.
Desta forma, não podemos esquecer o princípio constitucional (Artigo 3°, Inciso IV), que a nosso ver também cabe à escola perseguir: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, afinal, ela é uma instituição social, heterogênea e deve acolher e incluir todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos.
Durante a votação do PME no legislativo, no dia 18/06, ouvimos de um vereador: “O povo de Deus venceu”, em referência à vitória da “família itapetinguense” com a retirada dos termos gênero, sexualidade e (também absurdamente) transversalidade do PME. Discordando desta assertiva, acredito que a educação de Itapetinga perdeu. Contudo, ressaltamos que as questões de gênero e orientação sexual continuarão reverberando os discursos e práticas dentro e fora das instituições, nas famílias, escolas, universidades e, nós, educadores(as), pesquisadores(as) e militantes dos movimentos sociais continuaremos a luta para construção de uma escola mais democrática e aberta às diferenças e às diversidades de gênero e sexual.
Após a aprovação do PME e a visível emergência das contradições discursivas produzidas em nome da “família”, uma nova etapa será inaugurada a partir da instalação do Fórum Municipal de Educação, o qual prevê a representação de 27 representantes da sociedade civil com o objetivo de monitorar as ações do Plano independente de governo ou sigla partidária. Aguardamos ansiosamente a participação da “família” e do “povo de Deus” para vencermos os obstáculos que ora entravam a qualidade da educação em nosso município.